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domingo, 21 de fevereiro de 2016

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO


Questionamento Proposto: Que relações podem ser estabelecidas entre as obras e os projetos para a educação desenvolvidos por Karl Marx, Antonio Gramsci e Pierre Bourdieu?

Resposta:
Com relação ao questionamento proposto, penso que o conceito Marxista, a gênese de várias outras teorias, relacionados a divisão da Sociedade em classes, os impactos que permeiam e, que proporcionou  inúmeros desdobramentos decorrentes desse fato social, influenciaram, principalmente na educação e foram impactantes ao longo do tempo. Objeto de profundos estudos por vários autores, entre eles, os clássicos, Antônio Gramsci e Pierre Bourdieu, contribuíram muito para o pensamento de uma educação que não tivesse intrínseco o fator dominação que existia fora dos muros. Partindo desse pressuposto, que até então, esta (a educação), não produzira as diferenças na sociedade num todo, percebiam então que, a educação como um direito de todos apontou para a perpetuação das desigualdades, segundo as reflexões dos autores. A divisão de classes, (dominantes e dominados) perpassou pelos três momentos históricos, na qual, Karl Marx propõe a educação que emancipa, contemplativa de três dimensões, uma educação mental, uma educação física e uma educação tecnológica. Gramsci propõe uma escola unitária, que corresponderia aos níveis do Ensino fundamental e do Médio, que teria um caráter formativo e objetivaria equilibrar de forma mais igualitária dissociando àquela ideia de escola para elite e mais empobrecidos e recrudesceram como violência simbólica no conceito de Pierre Bourdieu, onde a escola torna-se um aparelho ideológico de reprodução dessa dominação. Assim, nos conceitos dos três autores, a perspectiva de mudança de paradigma fica bem demarcada, com o intuito de libertação da opressão vivida e reproduzida ao longo das décadas. O ponto em comum relacionando as três obras, em primeiro lugar é da percepção da dominação e da escola dualista que estava presente, o segundo ponto em comum tratava-se de propor uma mudança de paradigma onde a valorização daquele que pertencia as classes populares pudesse acessar os mesmos direitos o que pressupõe, não a igualdade de oportunidades, mas sim, a não exclusão dos direitos, desse cidadão e em terceiro, as propostas que tinham como pano de fundo a igualdade de condições a partir da escola o que resultaria em melhores condições futuramente. Portanto, as obras dos três autores, se relacionam em buscar alternativas para o bem comum, onde houvesse, igualdade de fato, justiça social e sobretudo, tivessem seus objetivos bem definidos ao conceituar a educação como elemento, da transformação social, e não da perpetuação e da reprodução dos ideais elitistas, que é a intercessão dos pensamentos (dos autores) e, que contribui e muito para repensarmos a educação contemporânea, apesar de muitos avanços.    

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

CIÊNCIAS NATURAIS x SOCIAIS

a) Diferencie as Ciências Sociais das Ciências da Natureza.
b) Como se dá a relação entre sujeito e objeto nas Ciências Humanas e Sociais?
Penso que todo percurso feito até o momento com os muitos aprendizados adquiridos, com saberes diferenciados nos possibilitam, diante dos questionamentos propostos, perceber a capacidade e entender as diferenças entre as ciências Sociais e as ciências da natureza. Partindo desse pressuposto, analisar a suas diferenças que permeiam séculos e que descrevem em capítulos históricos, desde a definição da metafisica de Aristóteles até a contemporaneidade. 
O Homem busca explicação científica sob diversos aspectos no que diz respeito a existência em sua totalidade, e busca através dos fenômenos da natureza respostas para compreensão do existir. Acreditava-se, nas teorias dos pré-socráticos, que estudaram os fenômenos naturais, Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Heráclito de Éfeso e Xenófanes de Colofon, entre tantos outros, através dessas teorias como a gênese de tudo.
Sem dúvida que, na elaboração desses estudos científicos sobre a natureza e sua relação com o homem, leva-se em conta suas especificidades, o que pressupõe um método ,no qual, vai se demarcar a distância entre o que é científico e o que é do senso comum, do que é refutável ou irrefutável. Busca através dos fenômenos naturais a explicação para essa relação do homem com a natureza.
Já as ciências sociais, ou sociologia, traz em sua espinha dorsal as explicações dos fenômenos sociais, ou seja, nasce com August Comte, no positivismo uma forma diferenciada de se revelar ao homem, tais fenômenos produzidos, e que, são tratados como coisa. Para definir essa relação entre homem e natureza, que até então, o homem se servia dessa, como meio de sobrevivência e que, com o Sociólogo Karl Marx, ganha um novo conceito, com um novo olhar, através do materialismo dialético que perpassa pelo assalariamento, ou venda da força de trabalho.
Assim, fica demonstrado que as aplicabilidades dos métodos de conhecimentos das ciências naturais, como parâmetros para as ciências sociais, não produzirão os resultados efetivamente fiáveis, por existir uma diferença na forma de se produzir tais conhecimentos científicos, esses estudos, partem da premissa do ser genérico e que nessa perspectiva fica inviável estuda-los a partir das ciências naturais.
Portanto, a consciência do devir nas relações humanas recrudesce à medida que caminha a humanidade e, tomar por base os conhecimentos das ciências naturais, significará um reducionismo para compreensão da Sociologia e, o grande recorte feito por Marx, Engels, Max Weber, entre outros, e com as contribuições de Boaventura de Sousa Santos nascido em Coimbra, a 15 de novembro de 1940, que deixaram claras as diferenças entre ciências Naturais e Ciências Sociais e o pensamento de cada filósofo e sociólogo na perspectiva, de diferenciar e esclarecer acerca do que são conhecimentos científicos, pesquisa e prática da educação, a epistemologia e as relações existentes entre os saberes da ciência e do senso comum.
Um grande abraço!
Jacy

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Carta de Paulo Freire aos professores

Ensinar, aprender: 
leitura do mundo, leitura da palavra

NENHUM TEMA mais adequado para constituir-se em objeto desta primeira carta a quem ousa ensinar do que a significação crítica desse ato, assim como a significação igualmente crítica de aprender. É que não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do que diria se dissesse que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende. Quero dizer que ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observado a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos.

O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente através da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer. Alguns desses caminhos e algumas dessas veredas, que a curiosidade às vezes quase virgem dos alunos percorre, estão grávidas de sugestões, de perguntas que não foram percebidas antes pelo ensinante. Mas agora, ao ensinar, não como um burocrata da mente, mas reconstruindo os caminhos de sua curiosidade razão por que seu corpo consciente, sensível, emocionado, se abre às adivinhações dos alunos, à sua ingenuidade e à sua criatividade  o ensinante que assim atua tem, no seu ensinar, um momento rico de seu aprender. O ensinante aprende primeiro a ensinar, mas aprende a ensinar ao ensinar algo que é reaprendido por estar sendo ensinado.

O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe. A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. Sua experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro que ela requer uma formação permanente do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de sua prática.
Partamos da experiência de aprender, de conhecer, por parte de quem se prepara para a tarefa docente, que envolve necessariamente estudar

Obviamente, minha intenção não é escrever prescrições que devam ser rigorosamente seguidas, o que significaria uma chocante contradição com tudo o que falei até agora. Pelo contrário, o que me interessa aqui, de acordo com o espírito mesmo deste livro, é desafiar seus leitores e leitoras em torno de certos pontos ou aspectos, insistindo em que há sempre algo diferente a fazer na nossa cotidianidade educativa, quer dela participemos como aprendizes, e portanto, ensinantes, ou como ensinantes e, por isso, aprendizes também.

Não gostaria, assim, sequer, de dar a impressão de estar deixando absolutamente clara a questão do estudar, do ler, do observar, do reconhecer as relações entre os objetos para conhecê-los. Estarei tentando clarear alguns dos pontos que merecem nossa atenção na compreensão crítica desses processos.

Comecemos por estudar, que envolvendo o ensinar do ensinante, envolve também de um lado, a aprendizagem anterior e concomitante de quem ensina e a aprendizagem do aprendiz que se prepara para ensinar amanhã ou refaz seu saber para melhor ensinar hoje ou, de outro lado, aprendizagem de quem, criança ainda, se acha nos começos de sua escolarização.

Enquanto preparação do sujeito para aprender, estudar é, em primeiro lugar, um que-fazer crítico, criador, recriador, não importa que eu nele me engaje através da leitura de um texto que trata ou discute um certo conteúdo que me foi proposto pela escola ou se o realizo partindo de uma reflexão crítica sobre um certo acontecimentos social ou natural e que, como necessidade da própria reflexão, me conduz à leitura de textos que minha curiosidade e minha experiência intelectual me sugerem ou que me são sugeridos por outros.

Assim, em nível de uma posição crítica, a que não dicotomiza o saber do senso comum do outro saber, mais sistemático, de maior exatidão, mas busca uma síntese dos contrários, o ato de estudar implica sempre o de ler, mesmo que neste não se esgote. De ler o mundo, de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita. Mas ler não é puro entretenimento nem tampouco um exercício de memorização mecânica de certos trechos do texto.

Se, na verdade, estou estudando e estou lendo seriamente, não posso ultra-passar uma página se não consegui com relativa clareza, ganhar sua significação. Minha saída não está em memorizar porções de períodos lendo mecanicamente duas, três, quatro vezes pedaços do texto fechando os olhos e tentando repeti-las como se sua fixação puramente maquinal me desse o conhecimento de que preciso.

Ler é uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante. Ninguém lê ou estuda autenticamente se não assume, diante do texto ou do objeto da curiosidade a forma crítica de ser ou de estar sendo sujeito da curiosidade, sujeito da leitura, sujeito do processo de conhecer em que se acha. Ler é procurar buscar criar a compreensão do lido; daí, entre outros pontos fundamentais, a importância do ensino correto da leitura e da escrita. É que ensinar a ler é engajar-se numa experiência criativa em torno da compreensão. Da compreensão e da comunicação.

E a experiência da compreensão será tão mais profunda quanto sejamos nela capazes de associar, jamais dicotomizar, os conceitos emergentes da experiência escolar aos que resultam do mundo da cotidianidade. Um exercício crítico sempre exigido pela leitura e necessariamente pela escuta é o de como nos darmos facilmente à passagem da experiência sensorial que caracteriza a cotidianidade à generalização que se opera na linguagem escolar e desta ao concreto tangível.

Uma das formas de realizarmos este exercício consiste na prática que me venho referindo como "leitura da leitura anterior do mundo", entendendo-se aqui como "leitura do mundo" a "leitura" que precede a leitura da palavra e que perseguindo igualmente a compreensão do objeto se faz no domínio da cotidianidade. A leitura da palavra, fazendo-se também em busca da compreensão do texto e, portanto, dos objetos nele referidos, nos remete agora à leitura anterior do mundo. O que me parece fundamental deixar claro é que a leitura do mundo que é feita a partir da experiência sensorial não basta. Mas, por outro lado, não pode ser desprezada como inferior pela leitura feita a partir do mundo abstrato dos conceitos que vai da generalização ao tangível.

Certa vez, uma alfabetizanda nordestina discutia, em seu círculo de cultura, uma codificação (1) que representava um homem que, trabalhando o barro, criava com as mãos, um jarro. Discutia-se, através da "leitura" de uma série de codificações que, no fundo, são representações da realidade concreta, o que é cultura. O conceito de cultura já havia sido apreendido pelo grupo através do esforço da compreensão que caracteriza a leitura do mundo e/ou da palavra. Na sua experiência anterior, cuja memória ela guardava no seu corpo, sua compreensão do processo em que o homem, trabalhando o barro, criava o jarro, compreensão gestada sensorialmente, lhe dizia que fazer o jarro era uma forma de trabalho com que, concretamente, se sustentava. Assim como o jarro era apenas o objeto, produto do trabalho que, vendido, viabilizava sua vida e a de sua família.

Agora, ultrapassando a experiência sensorial, indo mais além dela, dava um passo fundamental: alcançava a capacidade de generalizar que caracteriza a "experiência escolar". Criar o jarro como o trabalho transformador sobre o barro não era apenas a forma de sobreviver, mas também de fazer cultura, de fazer arte. Foi por isso que, relendo sua leitura anterior do mundo e dos que-fazeres no mundo, aquela alfabetizanda nordestina disse segura e orgulhosa: "Faço cultura. Faço isto".

Noutra ocasião presenciei experiência semelhante do ponto de vista da inteligência do comportamento das pessoas. Já me referi a este fato em outro trabalho mas não faz mal que o retome agora. Me achava na Ilha de São Tomé, na África Ocidental, no Golfo da Guiné. Participava com educadores e educadoras nacionais, do primeiro curso de formação para alfabetizadores.
Havia sido escolhido pela equipe nacional um pequeno povoado, Porto Mont, região de pesca, para ser o centro das atividades de formação. Havia sugerido aos nacionais que a formação dos educadores e educadoras se fizesse não seguindo certos métodos tradicionais que separam prática de teoria. 

Nem tampouco através de nenhuma forma de trabalho essencialmente dicotomizante de teoria e prática e que ou menospreza a teoria, negando-lhe qualquer importância, enfatizando exclusivamente a prática, a única a valer, ou negando a práticafixando-se só na teoria. Pelo contrário, minha intenção era que, desde o começo do curso, vivêssemos a relação contraditória entre prática e teoria, que será objeto de análise de uma de minhas cartas.

Recusava, por isso mesmo, uma forma de trabalho em que fossem reservados os primeiros momentos do curso para exposições ditas teóricas sobre matéria fundamental de formação dos futuros educadores e educadoras. Momento para discursos de algumas pessoas, as consideradas mais capazes para falar aos outros.

Minha convicção era outra. Pensava numa forma de trabalho em que, numa única manhã, se falasse de alguns conceitos-chave  codificação, decodificação, por exemplo  como se estivéssemos num tempo deapresentações, sem, contudo, nem de longe imaginar que as apresentações de certos conceitos fossem já suficientes para o domínio da compreensão em torno deles. 

A discussão crítica sobre a prática em que se engajariam é o que o faria. Assim, a ideia básica, aceita e posta em prática, é que os jovens que se preparariam para a tarefa de educadoras e educadores populares deveriam coordenar a discussão em torno de codificações num círculo de cultura com 25 participantes. Os participantes do círculo de cultura estavam cientes de que se tratava de um trabalho de afirmação de educadores. 

Discutiu-se com eles antes sua tarefa política de nos ajudar no esforço de formação, sabendo que iam trabalhar com jovens em pleno processo de sua formação. Sabiam que eles, assim como os jovens a serem formados, jamais tinham feito o que iam fazer. A única diferença que os marcava é que os participantes liam apenas o mundo enquanto os jovens a serem formados para a tarefa de educadores liam já a palavra também. Jamais, contudo, haviam discutido uma codificação assim como jamais haviam tido a mais mínima experiência alfabetizando alguém.

Em cada tarde do curso com duas horas de trabalho com os 25 participantes, quatro candidatos assumiam a direção dos debates. Os responsáveis pelo curso assistiam em silêncio, sem interferir, fazendo suas notas. No dia seguinte, no seminário de avaliação de formação, de quatro horas, se discutiam os equívocos, os erros e os acertos dos candidatos, na presença do grupo inteiro, desocultando-se com eles a teoria que se achava na sua prática.

Dificilmente se repetiam os erros e os equívocos que haviam sido cometidos e analisados. A teoria emergia molhada da prática vivida. Foi exatamente numa das tardes de formação que, durante a discussão de uma codificação que retratava Porto Mont, com suas casinhas alinhadas à margem da praia, em frente ao mar, com um pescador que deixava seu barco com um peixe na mão, que dois dos participantes, como se houvessem combinado, se levantaram, andaram até a janela da escola em que estávamos e olhando Porto Mont lá longe, disseram, de frente novamente para a codificação que representava o povoado: "É. Porto Mont é assim e não sabíamos".

Até então, sua "leitura" do lugarejo, de seu mundo particular, uma "leitura" feita demasiadamente próxima do "texto", que era o contexto do povoado, não lhes havia permitido ver Porto Mont como ele era. Havia uma certa "opacidade" que cobria e encobria Porto Mont. A experiência que estavam fazendo de "tomar distância" do objeto, no caso, da codificação de Porto Mont, lhes possibilitava uma nova leitura mais fiel ao "texto", quer dizer, ao contexto de Porto Mont. A "tomada de distância" que a "leitura" da codificação lhes possibilitou osaproximou mais de Porto Mont como "texto" sendo lido. Esta nova leitura refez a leitura anterior, daí que hajam dito: "É. Porto Mont é assim e não sabíamos". Imersos na realidade de seu pequeno mundo, não eram capazes de vê-la. "Tomando distância" dela, emergiram e, assim, a viram como até então jamais a tinham visto.

Estudar é desocultar, é ganhar a compreensão mais exata do objeto, é perceber suas relações com outros objetos. Implica que o estudioso, sujeito do estudo, se arrisque, se aventure, sem o que não cria nem recria.

Por isso também é que ensinar não pode ser um puro processo, como tanto tenho dito, de transferência de conhecimento do ensinante ao aprendiz. Transferência mecânica de que resulte a memorização maquinal que já critiquei. Ao estudo crítico corresponde um ensino igualmente crítico que demanda necessariamente uma forma crítica de compreender e de realizar a leitura da palavra e a leitura do mundo, leitura do contexto.

A forma crítica de compreender e de realizar a leitura da palavra e a leitura do mundo está, de um lado, na não negação da linguagem simples, "desarmada", ingênua, na sua não desvalorização por constituir-se de conceitos criados na cotidianidade, no mundo da experiência sensorial; de outro, na recusa ao que se chama de "linguagem difícil", impossível, porque desenvolvendo-se em torno de conceitos abstratos. Pelo contrário, a forma crítica de compreender e de realizar a leitura do texto e a do contexto não exclui nenhuma da duas formas de linguagem ou de sintaxe. Reconhece, todavia, que o escritor que usa a linguagem científica, acadêmica, ao dever procurar tornar-se acessível, menos fechado, mais claro, menos difícil, mais simples, não pode ser simplista.

Ninguém que lê, que estuda, tem o direito de abandonar a leitura de um texto como difícil porque não entendeu o que significa, por exemplo, a palavra epistemologia.
Assim como um pedreiro não pode prescindir de um conjunto de instrumentos de trabalho, sem os quais não levanta as paredes da casa que está sendo construída, assim também o leitor estudioso precisa de instrumentos fundamentais, sem os quais não pode ler ou escrever com eficácia. Dicionários (2), entre eles o etimológico, o de regimes de verbos, o de regimes de substantivos e adjetivos, o filosófico, o de sinônimos e de antônimos, enciclopédias. A leitura comparativa de texto, de outro autor que trate o mesmo tema cuja linguagem seja menos complexa.

Usar esses instrumentos de trabalho não é, como às vezes se pensa, uma perda de tempo. O tempo que eu uso quando leio ou escrevo ou escrevo e leio, na consulta de dicionários e enciclopédias, na leitura de capítulos, ou trechos de livros que podem me ajudar na análise mais crítica de um tema  é tempo fundamental de meu trabalho, de meu ofício gostoso de ler ou de escrever.

Enquanto leitores, não temos o direito de esperar, muito menos de exigir, que os escritores façam sua tarefa, a de escrever, e quase a nossa, a de compreender o escrito, explicando a cada passo, no texto ou numa nota ao pé da página, o que quiseram dizer com isto ou aquilo. Seu dever, como escritores, é escrever simples, escrever leve, é facilitar e não dificultar a compreensão do leitor, mas não dar a ele as coisas feitas e prontas.

A compreensão do que se está lendo, estudando, não estala assim, de repente, como se fosse um milagre. A compreensão é trabalhada, é forjada, por quem lê, por quem estuda que, sendo sujeito dela, se deve instrumentar para melhor fazê-la. Por isso mesmo, lerestudar, é um trabalho paciente, desafiador, persistente.

Não é tarefa para gente demasiado apressada ou pouco humilde que, em lugar de assumir suas deficiências, as transfere para o autor ou autora do livro, considerado como impossível de ser estudado. É preciso deixar claro, também, que há uma relação necessária entre o nível do conteúdo do livro e o nível da atual formação do leitor. Estes níveis envolvem a experiência intelectual do autor e do leitor. A compreensão do que se lê tem que ver com essa relação. 

Quando a distância entre aqueles níveis é demasiado grande, quanto um não tem nada que ver com o outro, todo esforço em busca da compreensão é inútil. Não está havendo, neste caso, uma consonância entre o indispensável tratamento dos temas pelo autor do livro e a capacidade de apreensão por parte do leitor da linguagem necessária àquele tratamento. Por isso mesmo é que estudar é uma preparação para conhecer, é um exercício paciente e impaciente de quem, não pretendendo tudo de uma vez, luta para fazer a vez de conhecer.

A questão do uso necessário de instrumentos indispensáveis à nossa leitura e ao nosso trabalho de escrever levanta o problema do poder aquisitivo do estudante e das professoras e professores em face dos custos elevados para obter dicionários básicos da língua, dicionários filosóficos etc. Poder consultar todo esse material é um direito que têm alunos e professores a que corresponde o dever das escolas de fazer-lhes possível a consulta, equipando ou criando suas bibliotecas, com horários realistas de estudo. 
Reivindicar esse material é um direito e um dever de professores e estudantes.

Gostaria de voltar a algo a que fiz referência anteriormente: a relação entre ler e escrever, entendidos como processos que não se podem separar. Como processos que se devem organizar de tal modo que ler e escrever sejam percebidos como necessários para algo, como sendo alguma coisa de que a criança, como salientou Vygotsky (3), necessita e nós também. Em primeiro lugar, a oralidade precede a grafia mas a traz em si desde o primeiro momento em que os seres humanos se tornaram socialmente capazes de ir exprimindo-se através de símbolos que diziam algo de seus sonhos, de seus medos, de sua experiência social, de suas esperanças, de suas práticas.

Quando aprendemos a ler, o fazemos sobre a escrita de alguém que antes aprendeu a ler e a escrever. Ao aprender a ler, nos preparamos para imediatamente escrever a fala que socialmente construímos.

Nas culturas letradas, sem ler e sem escrever, não se pode estudar, buscar conhecer, apreender a substantividade do objeto, reconhecer criticamente a razão de ser do objeto.

Um dos equívocos que cometemos está em dicotomizar ler de escrever, desde o começo da experiência em que as crianças ensaiam seus primeiros passos na prática da leitura e da escrita, tomando esses processos como algo desligado do processo geral de conhecer. Essa dicotomia entre ler e escrever nos acompanha sempre, como estudantes e professores. "Tenho uma dificuldade enorme de fazer minha dissertação. Não sei escrever", é a afirmação comum que se ouve nos cursos de pós-graduação de que tenho participado. No fundo, isso lamentavelmente revela o quanto nos achamos longe de uma compreensão crítica do que é estudar e do que é ensinar.

É preciso que nosso corpo, que socialmente vai se tornando atuante, consciente, falante, leitor e "escritor" se aproprie criticamente de sua forma de vir sendo que faz parte de sua natureza, histórica e socialmente constituindo-se. Quer dizer, é necessário que não apenas nos demos conta de como estamos sendo mas nos assumamos plenamente com estes "seres programados, mas para aprender", de que nos fala François Jacob (4). 

É necessário, então, que aprendamos a aprender, vale dizer, que entre outras coisas, demos à linguagem oral e escrita, a seu uso, a importância que lhe vem sendo cientificamente reconhecida.

Aos que estudamos, aos que ensinamos e, por isso, estudamos também, se nos impõe, ao lado da necessária leitura de textos, a redação de notas, de fichas de leitura, a redação de pequenos textos sobre as leituras que fazemos. A leitura de bons escritores, de bons romancistas, de bons poetas, dos cientistas, dos filósofos que não temem trabalhar sua linguagem a procura da boniteza, da simplicidade e da clareza (5).

Se nossas escolas, desde a mais tenra idade de seus alunos se entregassem ao trabalho de estimular neles o gosto da leitura e o da escrita, gosto que continuasse a ser estimulado durante todo o tempo de sua escolaridade, haveria possivelmente um número bastante menor de pós-graduandos falando de sua insegurança ou de sua incapacidade de escrever.

Se estudar, para nós, não fosse quase sempre um fardo, se ler não fosse uma obrigação amarga a cumprir, se, pelo contrário, estudar e ler fossem fontes de alegria e de prazer, de que resulta também o indispensável conhecimento com que nos movemos melhor no mundo, teríamos índices melhor reveladores da qualidade de nossa educação.

Este é um esforço que deve começar na pré-escola, intensificar-se no período da alfabetização e continuar sem jamais parar.

A leitura de Piaget, de Vygotsky, de Emilia Ferreiro, de Madalena F. Weffort, entre outros, assim como a leitura de especialistas que tratam não propriamente da alfabetização mas do processo de leitura como Marisa Lajolo e Ezequiel T. da Silva é de indiscutível importância.

Pensando na relação de intimidade entre pensar, ler e escrever e na necessidade que temos de viver intensamente essa relação, sugeriria a quem pretenda rigorosamente experimentá-la que, pelo menos, três vezes por semana, se entregasse à tarefa de escrever algo. Uma nota sobre uma leitura, um comentário em torno de um acontecimento de que tomou conhecimento pela imprensa, pela televisão, não importa. Uma carta para destinatário inexistente. É interessante datar os pequenos textos e guardá-los e dois ou três meses depois submetê-los a uma avaliação crítica.

Ninguém escreve se não escrever, assim como ninguém nada se não nadar.
Ao deixar claro que o uso da linguagem escrita, portanto o da leitura, está em relação com o desenvolvimento das condições materiais da sociedade, estou sublimando que minha posição não é idealista.

Recusando qualquer interpretação mecanicista da História, recuso igualmente a idealista. A primeira reduz a consciência à pura cópia das estruturas materiais da sociedade; a segunda submete tudo ao todo poderosismo da consciência. Minha posição é outra. Entendo que estas relações entre consciência e mundo são dialéticas (6).
O que não é correto, porém, é esperar que as transformações materiais se processem para que depois comecemos a encarar corretamente o problema da leitura e da escrita.
A leitura crítica dos textos e do mundo tem que ver com a sua mudança em processo.

Notas
1 Sobre codificação, leitura do mundo-leitura da palavra-senso comum-conhecimento exato, aprender, ensinar, veja-se: Freire, Paulo: Educação como prática da liberdade — Educação e mudança — Ação cultural para a liberdade — Pedagogia do oprimido — Pedagogia da esperança, Paz e Terra; Freire & Sérgio Guimarães, Sobre educação, Paz e Terra; Freire & Ira Schor, Medo e ousadia, o cotidiano do educador, Paz e Terra; Freire & Donaldo Macedo, Alfabetização, leitura do mundo e leitura da palavra, Paz e Terra; Freire, Paulo, A importância do ato de ler, Cortez. Freire & Márcio Campos; Leitura do mundo — Leitura da palavraCourrier de L'Unesco, fev. 1991.
2 Ver Freire, Paulo. Pedagogia da esperança — um reencontro com a Pedagogia do oprimido, Paz e Terra, 1992.
3 Vygotsky and education. Instructional implications and applications of sociohistorical psychology. Luis C. Moll (ed.), Cambridge University Press, First paper back edition, 1992.
4 François Jacob, Nous sommes programmés mais pour aprendre. Le Courrier de L'Unesco, Paris, fev. 1991.
5 Ver Freire, Paulo, Pedagogia da esperança, Paz e Terra, 1992.
6 Id., ibid.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

ANTÔNIO GRAMSCI

Os conselhos, para Gramsci, deveriam ser a base e o fundamento do Estado e das suas instituições sociais.
E - A escola deve ser uma escola do trabalho e da emancipação humana.
S - Deve ser uma escola que liberta e não que aliena.
C - Que constrói a organização da comunidade. 
O - Que ensina a técnica e a cultura “humanista”.
L - Uma escola libertária, que possibilitasse a organização política dos trabalhadores.

A - Na Itália, em 1922, a reforma na educação (chamada de reforma Gentile) ampliava a separação do sistema educativo. Reservava um ramo clássico-humanista para as classes dirigentes e proibia esse ensino para os filhos dos trabalhadores. Por isso, a classe operária deveria formar seus próprios intelectuais. Ele pretendia, então, que a nova educação formasse um grupo dirigente na retirada da própria classe operária.
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Segundo Antônio Gramsci: “A máquina” da revolução é o sistema dos conselhos, compreenderam que o processo de desenvolvimento da revolução é assinalado pelo surgimento dos Conselhos, da coordenação e sistematização dos Conselhos”
Na sua visão, esses conselhos contribuiriam para a luta na medida em que formavam cidadãos participativos. Cidadãos que agora poderiam discutir o rumo das suas vidas e a política para a sua sociedade. A criação de conselhos para a saúde, para a fábrica, para a criança e o adolescente, para o estudo da violência, para debater e mudar a educação, ainda hoje enfrentam obstáculos, principalmente no Brasil, onde a participação popular ainda é pequena.

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"A educação é uma luta contra os instintos ligados às funções biológicas elementares, uma luta contra a natureza, para dominá-la e criar o homem atual à sua época". 
Antônio Gramsci


terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

A Professora e a Maleta

A professora e a Maleta 


(Capítulo do livro A Casa da Madrinha de Lygia Bojunga Nunes, escrito em 1978) 


A professora era gorducha: a maleta também. A professora era jovem: a maleta era velha, meio estragada, e de um lado tinha o desenho de um garoto e uma garota de mão dada, vestindo igual, cabelo igual, risada igual. A professora gostava de ver a classe contente. Mal entrava na sala e já ia contando uma coisa engraçada. Depois abria a maleta e escolhia o pacote do dia. Tinha pacote pequenininho, médio e grande, tinha pacote embrulhado no papel de seda, metido em saquinho de plástico, tinha pacote de tudo quanto é cor; não era a toa que a maleta ficava gorda daquele jeito. Só pela cor do pacote, as crianças já sabiam o que ia acontecer. Pacote azul era dia de inventar brincadeira de juntar menino e menina; não ficava mais valendo aquela história mofada de menino só brinca disso, menina só brinca daquilo, meninos do lado de cá, meninas do lado de lá. Pacote cor-de-rosa era dia de aprender a cozinhar. A professora remexia no pacote, entrava e saía da classe e de repente, pronto! Montava um fogão com bujãozinho de gás e tudo. Era um tal de experimentar receita que só vendo. (Um dia a diretora entrou na classe justo na hora em que Alexandre estava ensinando um garoto a fazer uns bolinhos de trigo. Uma fumaceira medonha na sala. Tudo quanto era criança em volta do fogão palpitando : falta mais sal! Bota pimenta !bota um pouquinho de salsa. A diretora sabia que estava na hora da aula de matemática. Que matemática era aquela que a professora estava ensinando? Não gostou da invenção, mas saiu sem dizer nada). Pacote vermelho era dia de viajar: saía retrato do mundo inteiro lá do fundo do pacote, espalhavam tudo aquilo pela classe, enfileiravam as carteiras parta fingir de avião e de trem, quando chegavam nos retratos um ia contando pro outro tudo que sabia do lugar. Tinha um pacote cor-de-burro-quando-foge que a Professora nunca chegou a abrir. Todo dia ela botava o pacote em cima da mesa. Mas na hora de abrir ficava pensando se abria ou não e, acabava guardando o pacote de novo. Pacote verde era dia de aprender a pregar botão, botar fecho, fazer bainha na calça e na saia. Se o verde era bem forte era dia de aprender a cortar unha e cabelo. Verde bem clarinho era dia de consertar sapato. E tinha um verde que não era forte nem claro, era um verde amarelado que as crianças adoravam: era dia da professora abrir pacote de história. Cada história ótima. E tinha um pacote branco que só servia pra Professora esconder e pra turma brincar de achar. Quem achava ia pro quadro negro dar aula. No princípio ninguém procurava direito: coisa mais chata dar aula! E aula do quê? — Conta tua vida, ué, mostra o que você sabe fazer. Com o tempo, a turma deu para procurar direito o pacote: achavam engraçada aquela tal aula. No dia em que Alexandre achou o pacote, resolveu contar para a turma como é que ele vendia amendoim na praia.. No melhor da aula, um grupo de pais de alunos, que estavam visitando a escola, entrou na sala. Quando a aula acabou um deles perguntou à professora? — A senhora está querendo ensinar o meu filho a vender amendoim? A Professora explicou que Alexandre só estava contando para os colegas como era o trabalho dele, para todos ficarem sabendo como é que ele vivia. No outro dia saiu a fofoca: contaram para Alexandre que tinha um pessoal que não estava gostando da maleta da Professora. — Que pessoal? Um disse que era a Diretora, outro disse que era uma outra professora, outro disse que era o pai de um aluno, outro falou que era o faxineiro e foi um tal de disse que o outro falou, que ninguém ficou sabendo direito. Aí, uns dias depois, choveu muito. Chuva grossa. Encheu rua, o tráfego da cidade parou, casa desmoronou, coisa à beça aconteceu. Quase ninguém foi à escola. Mas Alexandre foi. Entrou na classe e viu tudo vazio, chovia demais para voltar para casa; resolveu sentar e esperar. Lá pelas tantas, a Professora chegou. Mas chegou sem a maleta. E com um jeito diferente, uma cara meio inchada, não contou coisa gozada, não riu nem nada. Sentou e ficou olhando pro chão. Alexandre achou que ela nem tinha visto ele: — Oi. Ela também disse oi, e continuou quieta. Depois de um tempo, Alexandre cansou de tanto ninguém dizer nada e falou: — A chuva molhou sua cara. A Professora nem se mexeu. Ele perguntou: — Foi a chuva? Ela fez que sim com a cabeça. Alexandre resolveu esperar mais um pouco. Mas pelo jeito, a Professora tinha esquecido de dar aula. Será que era porque ela não tinha trazido a maleta? Arriscou: — Cadê a maleta? A Professora olhou para ele sem saber muito bem o que é que dizia. Ele insistiu. — Hem? Cadê? — Perdi. Ele se apavorou: — Com tudo que tinha lá dentro?! — É. — Os pacotes todos? — É, é, é. Puxa que susto! Ela nunca tinha falado alto assim. Não perguntou mais nada, o coração ficou batendo, batendo, mas ela continuava sempre quieta, tão quieta que ele acabou não agüentando e perguntou e novo: — Mas e agora? Como é que você vai dar aula sem a maleta? — Não sei. — Mas ... escuta....você já procurou bem? - Ela fez que sim com a cabeça. - Botou anúncio no jornal? Diz que quando a gente bota anúncio quem acha dá pra gente.- Ela ficou quieta. - Botou? — Botei. — Ninguém achou? — Não. — Então como é que vai ser? — Não sei. — Dá jeito de você comprar os pacotes de novo? — Não. — Por quê? - Ela não disse nada. - Responde. Por quê? — Eles vêm junto com a maleta. Não vendem separado. — Mas então compra outra maleta! Pronto ! - Ela ficou quieta de novo. E como o tempo ia passando e ela continuava sempre quieta e, a cara não secava nunca e não chovia lá dentro e a cara cada vez mais molhada, ele acabou pedindo: — Compra, sim? — Não dá Alexandre. Eles não estão mais fabricando essas maletas hoje em dia. E aí ele não perguntou mais nada. Ela também não falou mais. Até que a campainha tocou e a aula acabou.