Profa. Dra. Evelcy
Monteiro Machado
Mestrado em Educação
Universidade
Tuiuti do Paraná
O Curso de
Pedagogia no Brasil, desde sua origem em 1930, tem se centrado nas questões
relacionadas à formação do educador para atuar na educação formal, regular e
escolar. As três regulamentações do Curso, ocorridas em 1939, 1962 e 1969,
propiciaram pouca flexilibilização e inovações nos projetos das instituições
formadoras, já que continham um currículo mínimo indicado que era implantado
como referência nacional.
A Reforma
da Educação ocorrida em 1996 rompe com a tradição da oferta padrão – o
currículo mínimo é substituído por diretrizes curriculares – além de
possibilitar diversidade e diversificação de projetos educacionais.
Na
tramitação da nova regulamentação do Curso se acentua o debate sobre a formação
e trabalho do pedagogo. Além de questões conflitantes, como a proposta de
fragmentação do trabalho do pedagogo, com a restrição da formação para a
docência e ênfase na gestão e da proposta de novos agentes formadores para
docência (os Institutos Superiores de Educação), são incluídas nas discussões
novas demandas de trabalho que propiciam atuação em diferentes espaços.
O presente
texto teórico-reflexivo pretende situar, a Pedagogia como perspectiva de
inovação para o Curso de Pedagogia em relação à questão da educação fora da
escola. A sociedade moderna apresenta demandas
sócio-educacionais que ultrapassam os limites formais e regulares da escola.
Apesar de ainda não esgotado o debate sobre a questão prioritária da educação
escolar básica, essas novas demandas se incorporam aos desafios à formação do
educador, já que são crescentes as intervenções e ações educativas em âmbitos,
meios e organizações diferenciados do sistema educacional. As perspectivas de
educação permanente e educação ao longo da vida também ratificam a necessidade
de se discutir a educação além dos limites da escola.
Dessa forma, a Pedagogia Social se insere
no debate como a ciência que referenda políticas de formação do educador para
atuar na área social e como prática intervencionista, justificando-se, assim, a
dimensão teórico-prática nesta discussão.
A Pedagogia Social apresenta-se, nos
diferentes autores, como uma ciência que propicia a criação de conhecimentos,
como uma disciplina que possibilita sistematização, reorganização e transmissão
de conhecimentos e como uma profissão com dimensão prática, com ações
orientadas e intencionais.
Como ciência, traz implícitos critérios e
paradigmas próprios das teorias e da metodologia das ciências. É ciência da
Educação, que se identifica com o saber que se constrói na Pedagogia, dividindo
espaço e diferenciando-se da Sociologia, da Antropologia e da História da
Educação. Associada à Sociologia da Educação na metade do século XX atualmente
se especifica com clareza e distinção frente a outras áreas. O objeto formal da
Pedagogia Social é a intervenção na realidade, como ciência normativa, comprometida
com o fazer. Apropria-se da análise de indivíduos e da sociedade desenvolvida
por outras áreas. Necessita, portanto, de outras ciências que lhe dêem suporte
à ação.
Enquanto teoria e/ou prática, a Pedagogia
Social, fundamentada e presente em diversos países, atende a critérios que a
caracterizam por possuir condições de desenvolvimento intelectual da área,
estrutura acadêmica, estrutura social com associações, publicações
especializadas, além de ter um título profissional, código próprio e marco deontológico.
Nos países da América Latina, entre os quais o Brasil, a Pedagogia Social,
apesar de praticamente desconhecida enquanto abordagem teórica e qualificação
profissional regular, está presente em intervenções de diferentes naturezas.
Ainda que as intervenções
sócio-educacionais estejam presentes em diferentes espaços formais e não
formais da educação a expansão e a consolidação da Pedagogia Social ocorre na
educação não formal. Essa educação não formal que se amplia nas ofertas é para
Trilla1 “o conjunto de processos, meios e instituições específicas
organizadas em função de objetivos explícitos de formação ou instrução que não
estão diretamente vinculados à obtenção de graus próprios do sistema educativo
formal”. É distinta da escola, mas é ato planejado, intencional e apresenta
organização específica. Tal espaço está presente na LDB de 1996 que amplia a
concepção de educação incluindo novos agentes e espaços educativos.
No Brasil, na década de 60, destacam-se os
modelos de educação popular com a abordagem teórica desenvolvida por Paulo
Freire para a educação de adultos com abordagem teórica desenvolvida por Paulo
Freire. A pedagogia de Freire difundiu-se e influenciou nas campanhas de
alfabetização.
Como vem ocorrendo em outros países, a
prática tem pressionado para que se amplie o debate teórico. Assim, apesar de
incipientes as discussões a respeito da área sócio-educacional como um todo,
alguns aspectos específicos apresentam avanços.
Dessa forma as intervenções não formais
que no início estiveram relacionadas a projetos de educação popular
desarticulados ou a projetos exclusivamente assistencialistas têm se
transformado e passam a incluir discussões sobre políticas sociais públicas
para os setores específicos. A própria sociedade civil passa a participar desse
debate, ainda que de maneira restrita, e a assumir responsabilidades práticas.
Na América Latina a educação popular se
amplia na atenção a estruturas sociais diversificadas e com projetos
educacionais relacionando a: 1) programas relativos a populações indígenas,
nativas, referentes a questões de língua, multiculturalismo, identidade étnica,
resistência à assimilação da cultura dominante; 2) programas de pesquisa
participativa em ação de resgate à cultura e conhecimento popular para reapropriação
do poder de grupos dominantes (de informação, de ideologia), apoiados na
coerção e na força; 3) programas de participação comunitária, de identificação
de programas educacionais, envolvendo pais, professores e alunos; 4) programas
de educação popular relacionados a questões da terra, reforma agrária e
educação rural; 5) programas de formação política por meio de recursos e
atividades educacionais – alfabetização e necessidades de classes
marginalizadas – para organização e mobilização na contestação de estruturas
sociais e o poder do Estado.
Além desses programas de educação não
formal são desenvolvidos com enfoques diferenciados projetos que priorizam
atenção às classes menos favorecidas, na questão da cidadania, na questão de
carências urbanas e rurais e nas situações de vícios e dependência de drogas.
Inclui-se, também, como programas de
educação não formal com enfoques da Pedagogia Social as questões ecológicas,
ambientais do trânsito, da terceira idade, das minorias (os sem-terra, os
índios, a mulher, os negros, os presos, os hospitalizados), a questão cultural
(desde o resgate de origens até a ampliação de horizontes), entre outras.
Surgem outras demandas com atendimento em programas fora da escola regular
formal – em geral desvinculados da Pedagogia Social. São relacionadas a escolas
de música, línguas, esporte e comunicação; e ainda a questão da pedagogia na
empresa, sob o enfoque de educação de adultos ou do treinamento de recursos
humanos na perspectiva de modernização e formação de capital humano.
Na literatura espanhola, percebe-se que,
para explicar as tendências atuais da Pedagogia Social, muitos autores retomam
dados da evolução histórica do tema. Tal fato se justifica pela amplitude,
variedade de enfoques, de orientações e perspectivas teóricas, presentes nas
referências à Pedagogia Social. Para.Quintana5, uma das
indicações mais constantes nos textos teóricos, as concepções presentes nos
diversos autores podem ser organizadas em cinco grupos:
a) Pedagogia Social como doutrina da
formação social do indivíduo. Representa o modo clássico de compreender a
Pedagogia Social, que está latente na história da Pedagogia e é entendida como
parte da Pedagogia Geral. Refere-se a preposições da educação para a vida em
sociedade por intermédio de processos de socialização. Encontra-se em autores
como H. Pestalozzi, H. Nohl e B. Suchodolski, e persiste nas discussões atuais.
b) A Pedagogia Social como doutrina da
educação política e nacionalista do indivíduo. Como maneira radical de
implementar a concepção anterior, compreende a educação do indivíduo para a
sociedade, sendo esta identificada com o Estado. Apresentou-se como expressão
mais contundente na Alemanha entre as duas guerras. Está presente em trabalhos
como os de Hegel, G. Kerschensteiner, E. Krieck e G. Giese, e encontra-se
superada na maioria dos países.
c) A Pedagogia Social como teoria da
ação educadora da sociedade. Refere-se a propostas de extrair das cidades
suas potencialidades educadoras. Extrapola-se da escola para a educação
extra-escolar. Essa concepção de cidade educativa tem repercussão mais ampla na
Itália. É defendida, entre outros, por A. Agazzi, por A. Fischer e pela UNESCO.
Apesar de não ser destacada na classificação de Quintana, essa concepção está
presente também na Espanha, citada, entre outros, por Requejo e Caride,
por Trilla e divulgada nos países da América Latina.
d) A Pedagogia Social como doutrina de
beneficência pró-infância e adolescência. Uma concepção voltada para
atender a necessidades sociais, que extrapola a visão tradicional da educação
escolar por se propor a intervir na sociedade. Surgiu no contexto de
necessidade pós-guerra, na Alemanha, de atendimento a órfãos e desabrigados,
inicialmente dirigida a crianças e, posteriormente, à juventude e a adultos.
São representativos autores como Nohl; Mollenhaner; Baüner e Wilhelm. Nessa
concepção, inclui-se o Trabalho Social, nas perspectivas atuais.
e) A Pedagogia Social como doutrina do
sociologismo pedagógico. Objetiva a
incorporação dos indivíduos a estruturas e circunstâncias sociais.
Incorpora todas as formas de conceber Pedagogia Social, sendo mais do que uma
disciplina ou corrente pedagógica, tornando-se uma Pedagogia Sociológica.
Apesar de sua importante contribuição, como concepção de Pedagogia Social está
superada. Está presente, entre outros, nos trabalhos de Natorp, Durkheim, Weber e
Willmann.
As classificações têm auxiliado na busca
do objeto da Pedagogia Social, por conter indicações sociais próprias da
atualidade em que se consolida a necessidade de educação permanente,
em que se discutem as relações entre educação formal,
não formal e informal, em que se propõe que a escola possa ser entendida como
educação comunitária, em que surgem novas formas de instituições educativas, em
que os meios de comunicação de massa, já ao alcance de quase todos os segmentos
da população, passam a estar presentes também na educação e, mais, no momento
em que a própria cidade é vista como meio de educação, com a evolução dos
estudos sobre cidades educadoras.
Assim, têm sido considerados, como objetos
da Pedagogia Social, dois campos distintos: o primeiro referente à
socialização do indivíduo, socialização compreendida como ciência pedagógica da
educação social do indivíduo, que pode ser desenvolvida por pais, professores e
família; o segundo relacionado ao trabalho social, com enfoque pedagógico,
direcionado ao atendimento a necessidades humano sociais, desenvolvido por
equipe multidisciplinar da qual participa o Educador Social, como profissional
da Pedagogia Social.
Este profissional é definido, segundo Petrus,
por dois âmbitos: pelo social, em função de seu trabalho, e pelo caráter
interventivo de sua ação, cuja demarcação teórica persiste controvertida devido
a ideologias, filosofia e visão antropológica. Petrus aponta que, de
maneira geral, na Espanha, a educação social realizada e pensada apresenta
função de ajuda educativa a pessoas ou grupos que configuram a realidade
social menos favorecida, função validada constitucionalmente.
Além da intervenção sobre a inadaptação
social, o autor destaca outros enfoques da educação social no contexto
espanhol:
a) é compreendida como sinônimo de
correta socialização;
b) pressupõe intervenção
qualificada de profissionais, a ajuda de recursos e presença de umas
determinadas circunstâncias sobre um sistema social;
c) refere-se também à aquisição de
competências sociais;
d) representa o conjunto de
estratégias e intervenções sócio-comunitárias no meio
social;
e) é concebida como formação social
e política do indivíduo, como educação política do cidadão;
f) atua na prevenção de desvios
sociais;
g) define-se como trabalho social,
entendido, programado e realizado desde a perspectiva educativa e não meramente
assistencialista;
h) é definida como ação educadora
da sociedade.
Ressalta-se que o Educador Social tem a
Pedagogia Social como referência. Distingue-se do Trabalhador Social pelo
caráter de sua intervenção: o Educador Social atua no campo de intervenção
sócio-educativa, enquanto ao Trabalhador Social compete a assistência social, a
análise sistemática da realidade, a coleta de dados e de informações que
subsidiam a própria intervenção do Educador Social.
Torna-se evidente o caráter
interdisciplinar do trabalho social em ação. É a partir da integração em
equipe, incluindo profissionais de diferentes áreas, que se viabilizam planos,
programas, projetos de implementação, acompanhamento e avaliação nessa área.
A Pedagogia Social, como uma das áreas no
campo de Trabalho Social, envolve uma série de especialidades que, na
classificação de Quintana, são as seguintes:
01-
atenção
à infância com problemas (abandono, ambiente familiar desestruturado...);
02-
atenção
à adolescência (orientação pessoal e profissional, tempo livre, férias...);
03-
atenção
à juventude (política de juventude, associacionismo, voluntariado, atividades,
emprego...)
04-
atenção
à família em suas necessidades existenciais (famílias desestruturadas, adoção,
separações...);
05-
atenção
à terceira idade;
06-
atenção
aos deficientes físicos, sensoriais e psíquicos;
07-
pedagogia
hospitalar;
08-
prevenção
e tratamento das toxicomanias e do alcoolismo;
09-
prevenção
da delinqüência juvenil. (reeducação dos dissocializados);
10-
atenção
a grupos marginalizados (imigrantes, minorias étnicas, presos e ex-
presidiários);
11-
promoção
da condição social da mulher;
12-
educação
de adultos
13-
animação
sócio-cultural.
Por serem decorrentes de necessidades
sociais, essas áreas sofrem alterações. O próprio Quintana
apresenta a questão dos meios de
comunicação de massa e a polêmica em torno da existência ou não de uma
Pedagogia Social dos meios de Comunicação Social. Coloca-se na defesa do duplo
objeto da Pedagogia Social: socialização do indivíduo e Trabalho Social,
remetendo à Pedagogia Especial as questões dos Meios de Comunicação, bem como
da Pedagogia do Tempo Livre e Pedagogia Empresarial.
Para autores como Ventosa educação para o
trabalho distingue-se de educação de adultos, pela natureza das propostas;
inclui novas áreas como educação cívica e educação para a paz.
Entretanto, para
fins de estruturação e estudo, pelas características próprias, as áreas de
intervenção sócio-educacional podem ser organizadas em três grandes grupos que,
separados ou integrados, respondem à diversidade de contextos e de
intervenções. São eles: a Animação
Sociocultural, a Educação de Adultos e a Educação Especializada.
Ressalta-se, em
conclusão, a necessidade de aprofundar discussões, ampliar domínio de
conhecimentos teóricos e investir em pesquisas na área de Pedagogia Social – um
dos desafios à formação do pedagogo – como alternativa à superação de práticas
e intervenções sócio-educacionais determinadas pelo senso comum e pela cultura
escolar.
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Disponível em http://www.boaaula.com.br/iolanda/producao/me/pubonline/evelcy17art.html - acessado dia 23/11/16
Disponível em http://www.boaaula.com.br/iolanda/producao/me/pubonline/evelcy17art.html - acessado dia 23/11/16